ruido silencioso

Palavras soltas de um ruído silencioso

30.9.04

Símbolos conotativos

Vilém Flusser disse que as imagens não são denotativas pois oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo, sendo, por isso, símbolos conotativos.
Esta imagem foi-me enviada há seis anos. Representa as nuvens de Jupiter e foi tirada pela nave Galileu. A mais de dois mil quilómetros e não encontrando palavras para aquecer o meu coração, esta foi a forma que dois amigos encontraram para chegar até ele. É curioso como, dependendo das circunstâncias da nossa vida e dos sentimentos que rasgam o nosso ser, podemos ver reflectido na imagem o que nos vai no coração.
Há seis anos, e sabendo o desfecho de um golpe da vida, a foto teve um efeito catártico. Ainda tem. Continua a ter o mesmo valor de símbolo conotativo. Mas mais pacífico após seis anos de companhia.

29.9.04

Mafalda

Mafalda, a menina contestatária, irreverente e perspicaz, faz hoje 40 anos.
Hoje ela não falaria da guerra fria, da guerra do Vietname nem da lógica dos dois blocos. Mas não me parece que o seu discurso fosse muito diferente.
Resta-nos o seu bom humor.
Parabéns à Mafalda.

28.9.04

Água amarga

Numa entrevista, José Eduardo Agualusa diz que os portugueses são todos melancólicos e e refere-se a José Saramago dizendo que é um niilista, um pessimista que não acredita na vida, concluindo que "é um velho".
As generalizações sempre me pareceram redutoras e passíveis de suscitarem erros de análise. Quanto a não se gostar de Saramago... gostos não se discutem. Mas como entender que um escritor, um criador da imaginação, revele tamanho desprezo por um par com obra realizada e admirada? E como entender, que um africano cuja cultura respeita e venera os velhos porque conhecedores da vida, da tradição e da sensatez, se refira a Saramago de uma forma tão ocidental, como um empecilho, um ser que está a mais e que pouco ou nada tem a dar à sociedade? A resposta poderia estar num infeliz momento de Agualusa (todos os temos) mas também poderia estar no facto de pertencerem a editoras diferentes.
Termino com uma frase do "velho" niilista que, segundo Agualusa, não acredita na vida e escreve apenas com o raciocínio, sem paixão nem coração:
"Já se sabe que as palavras proferidas pelo coração não têm língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler" (in Evangelho segundo Jesus Cristo).

23.9.04

Coração (Im)perfeito

Periodicamente, levo o meu coração à revisão. Não é que ele se tenha queixado ultimamente, mas é sempre bom dar atenção a estas coisas. Especialmente ao coração, que por norma é sensível se começa a sentir-se descuidado pelo seu dono(a).
Desta vez foram dois exames. Quanto ao primeiro, bem podia ter levado o fato de treino e aproveitava para o jogging semanal.
Quanto ao segundo exame, saiu-me um médico altamente profissional e competente. Daquelas pessoas que em cada frase ou explicação denunciam o seu amor pela profissão e pela matéria a que se dedicam. Notava-se que o exame não era apenas mais um do seu dia de trabalho e foi fazendo a leitura do meu coração. Nada de explicações técnicas. E excedeu-se no exame e na leitura quando observou o meu interesse em perceber. Se já é estranho ver o nosso interior, neste caso, o coração, num ecrã de computador, então o som da entrada e saída do sangue soa a música rara. Mais mais perturbador é ouvir alguém falar do nosso coração como um amigo, como se o conhecesse de há muito tempo: esta membrana que não deveria estar aqui, esta válvula que de vez em quando a deve deixar em pânico, etc.
Reconheço que, por momentos, receei que entrasse na parte mais sensível do coração e fizesse o diagnóstico dos meus amores, das minhas amizades ou, quem sabe, dos meus pequenos ódios.
Felizmente, a tecnologia ainda não alcançou esse reino.
Na próxima revisão, faço um backup dos ficheiros mais delicados e deixo-os bem guardados em casa. Não vá aparecer um médico mais dotado em tecnologias.

A inflação

"Cada vez nos temos mais apenas
um ao outro."
Joaquim Pessoa

22.9.04

Colocação de professores II

http://www.glasbergen.com/

20.9.04

Colocação de professores

"O grito", Edvard Munch

É esta pintura que vem à minha mente quando penso no sistema educativo português e na actual situação da educação deste país.

17.9.04

Um quarto na cidade

E, no regresso a casa, vimos a revista nas suas mãos. Gostamos de a comprar. Sempre achamos esta iniciativa louvável por recusar a mendicidade, a caridade e por tentar dignificar quem necessita de apoio. Os vendedores recebem 70% do preço da revista, não podem aceitar donativos extra, não podem mendigar e devem cuidar a sua apresentação. São normalmente sem abrigo ou alguém cujos laços com a sociedade foram quebrados.
Desta vez, o vendedor surpreendeu-nos com duas revistas de números anteriores que tentava vender. Que podíamos comprar apenas o último número ou uma das antigas. A surpresa foi devolvida com a compra das três. Que era a primeira vez que vendia três revistas de uma só vez a uma única pessoa, que o dinheiro lhe dava para pagar o quarto esta noite, que lhe tinhamos dado sorte porque uma senhora se aproximava para lhe comprar uma revista. Despedimo-nos com um aperto de mão.
Às vezes nem nos apercebemos de como é fácil fazer os outros felizes. Calculamos preços, voltamos a fazer contas, avaliamos se vale ou não a pena. Mas um quarto na cidade vale sempre mais que uma rua da cidade. E se a pessoa no quarto da cidade estiver sorrindo de felicidade ainda melhor.

16.9.04

Reguada

Quando andei na primária havia a tradição das orelhas de burro para quem não aprendia e da reguada para quem se portava mal. Acho que o ministério da educação anda a precisar de aplicar a si próprio esta antiga tradição.
Não resisto a publicar dois posts que li no Barnabé:
1. "Professor por colocar procura alunos sem professor. Assunto sério. Sem Ministério da Educação. Tratar com o próprio."
2. "O primeiro ministro e a ministra da educação não estiveram na abertura do ano lectivo. Justificação: não tinham agenda. Já se sabe porque correu tão mal a abertura do ano escolar: eles não sabiam que era hoje".
É bom manter o humor no meio de tamanha fantochada.

15.9.04

Vida

All the world's a stage,
And all the men and women merely players:
They have their exits and their entrances;
And one man in his time plays many parts
William Shakespeare

13.9.04

Janelas

No seu livro, A Arma Suave, Paul Levinson, conta-nos a parábola da sombra da janela. Em tempos remotos, o homem construíu casas com buracos para poder observar o exterior. Contudo, ficou exposto às intempéries pelo que decidiu construir as janelas. Estas protegiam-no das condições climáticas e permitiam-lhe a observação do mundo exterior. Mas esta solução não estava isenta de inconvenientes. Se a janela aumentava a protecção contra o clima exterior, diminuía a protecção da privacidade. O homem via o exterior mas era igualmente visto. E inventou então aquilo que Levinson chama uma “bateria de meios de comunicação reparadores”: estores, persianas, cortinas...
Habituámo-nos já às janelas do nosso computador. A questão é: não será o ecrã do computador utilizado frequentemente como mais uma cortina?

12.9.04

A geração do futuro 1

Fonte: http://www.glasbergen.com/

10.9.04

Flowers in the desert

"Flowers in the desert" é o título de uma série de exposições fotográficas da Amnistia Internacional relacionada com a campanha "Stop Violence against Women". Na página da AI podem ver-se algumas destas fotos. Gosto desta. Na exposição interactiva também se podem ver as fotos relativas ao caso de Calama e da sinistra "Caravana da morte". Afinal, amanhã é dia 11 de Setembro. A comunicação social referirá o ataque às torres de Nova Iorque. É mais recente. Mas seria bom recordarmos a história. E percebermos como se pode semear o terror. Para que não se repita. Desta ou de outra forma.

9.9.04

À janela

(Decalcomania Magritte)

Um dia, o professor de filosofia perguntou se era possível estar à janela e vermo-nos passar na rua. Essa estranha pergunta significou, para mim, o início de uma interessante reflexão que deixou as suas marcas. Ainda hoje tenho esse hábito de me “pôr à janela” e me ver a passar na rua. Gosto de o fazer no sofá, na penumbra e em silêncio. E, calmamente, observo-me passeando na rua e medito sobre os momentos mais marcantes do dia. Este ver-me e falar comigo própria é-me essencial num mundo em que se vive demasiado depressa, rodeado de ruídos e de imagens de um planeta cada vez mais pequeno, como assinala Marc Augé. Parar no tempo e no espaço para nos vermos, nos observarmos e nos sentirmos a nós próprios. Acho isso essencial.

8.9.04

Magritte

"A grande família"

6.9.04

Livros

No filme etnográfico começava por ver-se uma área rural. Depois, uma construção que pretendia ser uma escola. Despida de conforto, despida de mobiliário, despida de material didáctico. Mas o olhar do menino tinha vestido aquele brilho de quem sabe que há horizontes maiores. E, de súbito diz: "O que me chateia é saber que há coisas que eu não sei".
A cena deste filme passa-se em Moçambique, mas podia ter sido captada em muitos, demasiados até, lugares deste mundo. Esse rosto e essa frase visitam-me frequentemente. Foi ouvindo essa frase no fundo da minha memória que enviei há poucos dias uns quilos de livros para Timor. Estarão agora dentro de um navio em direcção ao seu destino: Embaixada de Portugal em Díli - Ao cuidado da professora Ana Medeiros- Díli - Edíficio ACAIT - Avenida Nicolau Lobato - Díli - Timor Leste.
Para quem quiser alargar os horizontes de quem se chateia por saber que há coisas que não sabe, ficou já a morada. E, pormenor importante, deve dizer-se nos Correios que existe uma tarifa especial para o envio de livros para Timor: apenas 2,7 euros por dois quilos. Não é caro e sempre poderemos fazer com que alguém fique menos chateado. Eu, pelo menos, fiquei mais contente. Sei que os livros serão recebidos "com um brilhozinho nos olhos".

5.9.04

Primeiro amor

Hoje decidi mudar o sistema de comentários do blog. Após algumas pesquisas, descobri um programa que se instala automaticamente no sistema HTML do blog. Bingo, pensei eu. No final, fui ver o resultado. Pois... todos os comentários tinham desaparecido, o título do blog tinha um código estranhíssimo tipo DT$584#RD, códigos HTML apareciam misturados com os títulos dos posts mais recentes... Enfim, um desastre completo. A aventura seguinte, voltar ao sistema inicial de comentários, foi ainda mais difícil que a instalação automática deste sistema. Mas, pronto, estamos outra vez, eu e o sistema original de comentários, outra vez em parceria. Não há como o primeiro amor... Quem desejar deixar o seu comentário, faça o favor de não complicar muito a coisa e escrever como anónimo... não necessita de username nem de password. E pode sempre deixar o nome ou o nick no final.
Prometo que quando descobrir um amor menos conflituoso, o instalo. :-)

3.9.04

Mãe com criança ao colo

No lugar do corpo onde esperou sua vida frutificar vai agora afagando a imobilidade Aconchegando o menino morto ela prepara seu ventre para o inverso parto: da luz para o útero, da dor para o nada. Pendentes, os seios, imitam outonais folhas da mais imutável estação E só o chão se espanta por restar uma água para à tristeza dar o último redondo ventre Mia Couto

2.9.04

Da violência

E agora, será que ainda resta ao sr. Putin algum do gás do Teatro de Moscovo?
Relembrando Bertolt Brecht:
"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas As margens que o comprimem."

1.9.04

Snapshot 1

Li algures que a mente é como um pára-quedas, funciona melhor quando aberta.