ruido silencioso

Palavras soltas de um ruído silencioso

28.9.04

Água amarga

Numa entrevista, José Eduardo Agualusa diz que os portugueses são todos melancólicos e e refere-se a José Saramago dizendo que é um niilista, um pessimista que não acredita na vida, concluindo que "é um velho".
As generalizações sempre me pareceram redutoras e passíveis de suscitarem erros de análise. Quanto a não se gostar de Saramago... gostos não se discutem. Mas como entender que um escritor, um criador da imaginação, revele tamanho desprezo por um par com obra realizada e admirada? E como entender, que um africano cuja cultura respeita e venera os velhos porque conhecedores da vida, da tradição e da sensatez, se refira a Saramago de uma forma tão ocidental, como um empecilho, um ser que está a mais e que pouco ou nada tem a dar à sociedade? A resposta poderia estar num infeliz momento de Agualusa (todos os temos) mas também poderia estar no facto de pertencerem a editoras diferentes.
Termino com uma frase do "velho" niilista que, segundo Agualusa, não acredita na vida e escreve apenas com o raciocínio, sem paixão nem coração:
"Já se sabe que as palavras proferidas pelo coração não têm língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler" (in Evangelho segundo Jesus Cristo).