ruido silencioso

Palavras soltas de um ruído silencioso

28.10.04

Menino de olhos tristes

"Um menino caminha e caminhando chega no muro
E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda a nossa vida
E depois convida a rir ou chorar".
("Aquarela", Toquinho e Vinicius)
(Dedicado ao menino lindo a quem a vida ergueu um muro demasiado alto e esperando que cumpra com o combinado: ir visitar-me na Direcção da escola após as aulas. Pode ser que goste da "Aquarela" do Toquinho e do Vinicius. A música é uma boa terapia)

27.10.04

Quando...

Quando se chega a casa exausto e ainda se tem tantas coisas para fazer, quando o ânimo não é grande mas se sabe que há que continuar a sorrir, é um prazer imenso voltar a ouvir Juan Manuel Serrat e as palavras de Machado. Cuando el jilguero no puede cantar cuando el poeta es un peregrino, cuando de nada nos sirve rezar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..." Golpe a golpe, verso a verso. (António Machado / Juan Manuel Serrat)

25.10.04

Palavras

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
Na mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte
Alexandre O'Neill

20.10.04

Natureza

Recordo uma aula de psicologia em que se debatia a importância da liberdade no acto de optar. Optar significa decidir-se por, fazer uma escolha, preferir. Inconscientemente, somos levados a pensar que se escolhe entre algo bom ou mau. Nessa aula, o professor questionava-nos sobre a liberdade que o indíviduo tem quando é obrigado a decidir entre duas coisas menos boas ou más. Ou seja, a escolha de uma ou de outra implica já a imposição/aceitação de algo menos agradável. Contudo, há que escolher.

Hoje tive que escolher entre a segurança de crianças e adolescentes e árvores que ameaçavam ser derrubadas pelas condições atmosféricas. Optei pela primeira condição e três árvores foram abatidas pelos bombeiros. Ver uma árvore de grande porte ser abatida não é um espectáculo agradável. O som da serra que a corta, o barulho medonho que faz quando cai e, finalmente, a amputação dos seus ramos até que restem apenas pequenos pedaços de madeira.

Garantiu-se a segurança dos jovens que diariamente circulam pelos recreios. Mas, no regresso a casa, não me saía do pensamento a imagem das árvores no chão. E a sensação da ausência de liberdade na opção.

16.10.04

Galos e galinhas

"Chickens", Paula Rego
Parece que Einstein disse um dia: "Só há duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. Não estou muito certo quanto à primeira". Vem isto a propósito das declarações de um certo senhor, designado pelo presidente da União Europeia, para Comissário da Justiça. Primeiro afirmou que a homossexualidade é um pecado. Depois corrigiu para "ser pecado não quer dizer que seja discriminado". Conclusão: os pecados podem ser tolerados. Mais tarde, afirmou que as famílias existem para que as mulheres tenham filhos e um homem que trate delas. Conclusão: andamos perto daquela interpretação do islão que defende que a mulher deve estar em casa a cuidar dos filhos e protegida pelo macho. Agora, o senhor Buttiglione afirma que "as crianças sem pai são filhas de uma mãe não muito boa". Conclusão (resistindo à tentação de utilizar português vernáculo): ambos gozam, ele pira-se e ela que não quis (em consciência) ou não pôde abortar (devido à legislação) passa a ser uma mulher "menos boa". Seria cómico se não fosse perigoso.

14.10.04

Blog

Há já dois meses que mantenho este blog. Ainda não cheguei a muitas conclusões quanto à sua utilidade ou aos seus objectivos.
Inicialmente, pretendia testar as minhas capacidades com a máquina, ver como me "saía" sem ajuda. Não tem sido muito difícil, com excepção dos comentários. Ando há tempos para mudar o sistema e ainda não o fiz. Também ainda não consegui inserir música. Falta de tempo e de dedicação.Quando me empenhar, chegarei lá. Faz-me falta. Muito do que sinto e penso é traduzido em músicas de que gosto ou em letras que me tocam.
Mas cheguei já a duas conclusões. Até no blog se revela a minha constante inconstância. A assiduidade da escrita não é a mais elevada. Não gosto de fazer coisas por calendário, porque tem de ser. Os posts surgem quando sinto vontade de escrever, ou melhor dizendo, quando me apetece. Bem sei que quem o visita diariamente gosta de ter um post novo. Mas, o silêncio é também uma forma de comunicação.
A outra conclusão deriva dessa constante inconstância. Parece-me que esta é guiada pela minha luta em não levantar os véus, em não querer romper as teias que vou tecendo no meu interior. Um blog implica em maior ou menor grau uma certa nudez. E eu sempre gostei de cultivar o recato.

10.10.04

Vícios

Uma gripe obrigou-me a ficar retida em casa estes últimos cinco dias. Esta reclusão e imobilidade forçada fizeram-me reviver viagens passadas. De acordo com este teste, já visitei 8% do mundo. Não está mal se bem que gostaria de ter saído mais do velho continente.
Comecei com os meus 14 anos e em grande: Paris. Foi o início de um vício que, primeiro, foi pago pelos pais e depois pela agência de viagens na qual arranjei trabalho temporário. Agora que tenho que pagar as minhas próprias viagens continuo a achar que é dos melhores vícios que tenho. Menos mal que não gosto dos tradicionais souvenirs. Não sei como o consigo, mas regresso sempre com livros. Outros dos vícios.

5.10.04

Procura a maravilha

Procura a maravilha.

Onde um beijo

sabe a barcos e a bruma.

No brilho redondo

e jovem dos joelhos.

Na noite inclinada

de melancolia.

Procura.

Procura a maravilha.

(Eugénio de Andrade)

1.10.04

Apelido

E, na primeira hora do primeiro dia de Outubro, tu decidiste partir.
A saudade essa veio para ficar. Cada vez mais profunda.
E, dia a dia, a tua ausência presente faz-se sentir. Mesmo nos pequenos detalhes como assinar o meu nome e sentir o teu legado no apelido que escrevo.