ruido silencioso

Palavras soltas de um ruído silencioso

31.8.04

Decisões difíceis

Quando hoje digitei o número do meu bilhete de identidade, fiquei a saber o meu novo local de trabalho. E fiquei estática olhando o ecrã do computador. A informação tão desejada ali estava e o resultado era o esperado. Pela minha mente, passaram as emoções de outros concursos de professores. No início era a angústia de ficar colocada longe de casa e da família, depois foi a angústia de entrar ou não em estágio e finalmente a angústia de ficar efectiva. Hoje as emoções foram difíceis de ordenar. Do ponto de vista profissional, tomei a decisão correcta e tentei salvaguardar a carreira, passando para outra escola e outro nível de ensino. Do ponto de vista afectivo... parece que de repente fiquei sem família. Dos meus dezanove anos de carreira, quinze foram passados na escola da foto. Nos últimos oito anos, tenho feito parte da equipa que a dirige. Apesar de poder continuar nestas funções durante mais três anos, não é fácil saber que o cordão umbilical foi, oficialmente, cortado. Porque me fiz nesta escola, nela cresci profissional e emocionalmente, nela encontrei o ambiente propício à construção de laços de carinho e de amizade.
Às vezes, temos que tomar decisões difíceis na vida.

30.8.04

O relógio

O Relógio
(adereço conceptual para usar no pulso)
Pára-me um tempo por dentro
passa-me um tempo por fora.
O tempo que foi constante
no meu contratempo estar
passa-me agora adiante
como se fosse parar.
Por cada relógio certo
no tempo que sou agora
há um tempo descoberto
no tempo que se demora.
Fica-me o tempo por dentro
passa-me o tempo por fora.
(José Carlos Ary dos Santos)

29.8.04

Festas de Campo Maior

Festas do Povo (Campo Maior)
A ausência de posts decorreu da minha viagem, juntamente com família, a Campo Maior por motivo das Festas do Povo.
Foi a primeira vez que vi estas festas e fiquei deveras maravilhada. Oitenta e quatro ruas decoradas com flores de papel!!! Parece que estas festas começaram, na forma que hoje se conhece, em 1893. Realizam-se ciclicamente, quando o povo entende e as circunstâncias são favoráveis à sua realização. Tendo percorrido algumas dessas ruas compreendi porque é que não se realizam anualmente: o trabalho, imenso, é realizado pelos residentes de cada rua, em horas e horas de trabalho minucioso certamente roubadas ao descanso. Nota-se o gosto da competição bairrista, do entusiasmo, da ternura e da poesia colocadas em cada pormenor. É um fascinante e admirável jardim florido difícil de descrever. Este espectáculo oferecido ao visitante é complementado com a afabilidade característica do povo de Campo Maior que acolhe os forasteiros com um sorriso ou, então, com a ironia característica do típico alentejano. Recomenda-se a todos os que por lá possam passar.

27.8.04

Direitos do Homem e do Cidadão

Há 215 anos foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Pode-se falar eternamente sobre os direitos humanos. Fico-me apenas por nomes como Darfur, Guantanamo, Chechénia. A lista é comprida. Assim como é comprido o caminho que a Declaração percorreu até aos nossos dias. Só que pavimentado com um insuportável ruído de lágrimas e violações.

25.8.04

Leituras

Há detalhes de que gosto. Por exemplo, o da editora Caminho publicar os livros de Saramago no aniversário do escritor. Este detalhe significa, para mim, um presente de anos com três dias de atraso. É, normalmente, um dos que espero mais ansiosamente. Aos seus livros retorno frequentemente, recordando leituras feitas ou, então, elaborando novas leituras dos textos já lidos.
"Terás então de ler doutra maneira, Como, Não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá de chegar".
In "A Caverna", José Saramago

24.8.04

Ruído silencioso

“Pois que fez Santo António? Mudou somente o púlpito e o auditório”. (Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes) Vivemos rodeados de ruídos, de sons inarmónicos que nos entram pelos ouvidos, poluem os restantes sentidos e condicionam a expressão de sentimentos. As cidades estão repletas de ruídos submetendo as pessoas a oscilações constantes e inconscientes entre o torpor e a revolta. Os ruídos entram pelas casas adentro nos inúmeros canais e programas de televisão que, na sua essência, incitam a novas viagens entre o torpor e a revolta. Nos nossos computadores, estamos rodeados de outros ruídos: caixas de correio que nos oferecem diariamente mensagens que não solicitamos, salas de chat inundadas de pessoas que se desejam ouvir naquilo que escrevem sobre elas próprias, janelas publicitárias que se mostram no ecrã sem terem sido convidadas... Também eu produzo os meus ruídos (na verdade, com a idade isso está mesmo a piorar). Esqueço muitas vezes que à palavra dita não se pode fazer delete. Senti a necessidade de colocar em standby o meu próprio ruído, de olhar para ele para melhor o ouvir. E o blog é um desafio duplo: com a máquina e comigo mesma. Não o quero muito ruidoso. Espero que seja um ruído silencioso, que viaje por caminhos positivos e calmos. Se, nesses caminhos, encontrar outros ruídos, tanto melhor, serão bem vindos. Desde que não sejam muito ruidosos. :-)

23.8.04

Caminhos da amizade

Bond of Union - Escher
Hoje, deitada na areia da praia, li a carta de um amigo cibernético. Dizia ele, a propósito do desvio que fiz na minha viagem de férias, que valorizava esse detalhe pois a sua terra não faz parte das rotas turísticas estando, apenas, no caminho da amizade.
Parece ser verdade que, cada vez mais, o tipo de férias de cada um se define pela generalização, tipificação e massificação.
É bom contrariar a corrente de vez em quando, deixar o mapa de lado e seguir o caminho da amizade. Nesta visita não conheci nenhuma grandiosa catedral, não deambulei por um centro histórico centenário, não me perdi nas compras de um qualquer centro comercial. Mas regressei com o coração repleto de contentamento por ter adicionado a perspectiva offline à experiência online. A comunicação via Internet pode ser oca e artificial ou, então, real e rica em conteúdo e experiências. Depende não da máquina mas do ser social que a manipula.

22.8.04

Passeios de moto

  • Neste bichinho sinto menos o peso dos anos e mais a liberdade
  • Gosto de sentir o vento na cara
  • Gosto de olhar para cima e ver o sol ou as estrelas
  • Gosto de ver os carros a passar com pessoas encerradas neles
  • Gosto de ver o asfalto perto correndo em sentido contrário
  • E gosto de passar as filas de carros
  • :-)

20.8.04

Letreiro

Porque não sei mentir,
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim- meu principal motivo
De insatisfação -,
Diante de qualquer adoração,
Ajuízo.
Não me sei conformar.
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.
(Miguel Torga) Fractal

19.8.04

Ruidos

Este é o meu 1º post. A 1ª vez custa sempre e nem sei o que começar por dizer. Aliás ainda tenho os olhos meio vesgos das experiências que fiz para chegar até aqui. Acho que hoje fica mesmo por este pequeno ruído. :-)