ruido silencioso

Palavras soltas de um ruído silencioso

27.1.05

Israel

Israel

Auschwitz

Auschwitz

26.1.05

Viagem

"O sedutor", Magritte
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos:
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
(Miguel Torga)

17.1.05

Verbum

Verbum, Escher
Tremendamente cerebral, assim me define um amigo. O racionalismo, de facto, caracteriza, grande parte da minha personalidade. Mas os meus olhos, seguramente suspeitos, vêem também uma personalidade emotiva, de lágrima fácil, especialmente no que se refere à dor. Dos outros, entenda-se. Porque quanto à minha própria dor, o racionalismo domina-a e encarrega-se de a acomodar num cantinho onde eu a possa tratar por tu. Protecções que a gente vai criando para nossa defesa.
A sensibilidade à dor dos outros tem-me levado ultimamente a estar com eles nas suas despedidas de entes queridos. E é dessa forma que me tenho visto ultimamente a visitar a igreja mais do que desejaria. E desenrola-se então uma luta de que sou actriz e espectadora. A actriz tenta manter a compostura solidária e a boca fechada. Esta é quase uma luta titânica uma vez que o peso da cultura nos faz recordar aquelas lengalengas que aprendemos em pequenos. Cada palavra, cada frase, cada expressão da missa, dos crentes ou do padre despertam a minha interpretação. E o seu resultado coloca-me cada vez mais longe do reino dos céus. Conscientemente. Assumidamente.

7.1.05

O silêncio

A PALAVRA IMPOSSÍVEL
Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.
Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.
Adolfo Casais Monteiro

3.1.05

Sobre os números

Gutenberg relata no seu livro "A justificação de Gutenberg" a raiva do velho monge do mosteiro de S. Viktor quando escreveu os números em árabe. "Língua infiel", dizia o irmão Benedict, "obra de Satanás". Impunha-se a escrita dos números romanos. Gutenberg pergunta então como se escreve o zero. Que não existia, retorquia o irmão, pois "no universo de Deus tudo está vivo e habitado, até mesmo o Inferno. Não há nunca nada". Num exercício de matemática lógica, Gutenberg pergunta como escreveria o resultado da multiplicação de 3 por 10. Escrever-se-ia IIIX? Claro que se escreve XXX, diz o monge. E oitenta são oito cruzes em vez de um oito e um zero? pergunta Gutenberg que tenta levar Benedict ao desespero. Este termina mandando-o calar pois na sua opinião os alunos não deviam falar mas escutar. De preferência, hirtos de medo. Na sua opinião, todos estavam condenados: homens, mulheres e crianças. E sentenciava os seus alunos com o Juízo Final: "E o mar subirá uma trintena de metros acima das montanhas como um muro gigantesco. E as árvores exsudarão um orvalho de sangue. E os tremores de terra deitarão por terra os homens, e os edifícios tombarão".
O irmão Benedict certamente que teria hoje alguma dificuldade em traduzir nos seus números romanos toda a tragédia asiática.