ruido silencioso

Palavras soltas de um ruído silencioso

10.1.06

(In)comunicações

Ele apareceu com a carita própria de quem chega à escola no primeiro dia de aulas. Os seus olhos muito abertos tentavam abarcar tudo o que o rodeava. Os seus ouvidos receptivos aos sons que lhe chegavam dos que com ele tentavam comunicar. Mas da sua boca poucos sons saíam. E os seus olhos foram transmitindo a curiosidade, a receptividade e a ansiedade. Parecia calmo apesar de se adivinhar um turbilhão de sentimentos confusos no seu interior. Porque não percebia uma palavra da língua em que lhe falavam. Tentou-se o inglês. Mas os seus conhecimentos rudimentares desta língua não ajudaram. Não restava outra opção senão chamar a aluna loira que veio do frio. E o quadro que se seguiu merecia ter sido filmado. A professora fez uma pergunta e pediu à menina que traduzisse. A cara do menino ucraniano abriu-se num sorriso quando ouviu perguntar em russo onde ia almoçar. A professora continuou a fazer perguntas e a transmitir informações e a menina russa a traduzir. Algumas horas depois andava pela escola rodeado por alguns colegas que parece terem tomado como sua responsabilidade integrar na escola um menino chegado do frio e que não partilha as nossas palavras. E esta naturalidade contrasta com a posição contrária de alguns adultos para quem este aluno representa mais uma fonte de trabalho e de dificuldades acrescidas. Dentro em pouco, começará a partilhar as nossas palavras e a dominar, tal como a menina russa, a nossa língua. Comunicará, independentemente da nacionalidade. Porque a comunicação não necessita de fronteiras. E exige naturalidade. Basta querermos.